sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Fogos Florestais

Chegou o verão a Portugal e sem surpresa incendiou-se o País.
Tristemente tenho de dizer que os fogos florestais já não causam nenhuma surpresa, pese embora, recorrentemente, ganhem uma dimensão impar. Foi assim em 2003, foi assim em 2006, esta a ser assim em 2010.

O que ainda causa alguma estupefacção são as reacções e polémicas “politiqueiras” todos os anos. É sempre mais do mesmo.

Pensar a problemática do abandono da agricultura, da silvo-pastoricia e da produção florestal é que não.

Pensar o modelo de protecção civil, da diminuição do voluntariado e do modelo de gestão dos próprios bombeiros, da integração dos demais meios de combate e prevenção de incêndios (falo claramente dos GIPS, dos sapadores florestais e das próprias forças armadas) na fase de actuação contra as chamas, também.

O que se faz então, neste nosso país, fantástico no “desenrrascanço”, mas pouco dado a planear, organizar e desenvolver?
Criam-se polémicas desnecessárias entre Câmaras e Associações de Bombeiros Voluntários.
Criticam-se a actuação dos militares, ignorando-se as próprias deficiências nos comandos, na sua maioria motivadas por ignorância (não sei se própria, se com motivações de “politiquice”) do próprio modelo de protecção civil existente.
Colocam-se meios de combate em situações demasiados complicadas, com uma deficiente (e muitas vezes mesmo sem qualquer) coordenação efectiva, esperando que o voluntarismo e abnegação tudo resolvam.
Desprovêem-se a vigilância e a prevenção de meios (técnicos e humanos), aguardando que só aos outros calhe a tragédia.
Fala-se de atribuição de subsídios e auxílios á agricultura e produção florestal (nas áreas atingidas pelos grandes incêndios), sem qualquer conhecimento do terreno.
Revela-se uma intenção de expropriação e nacionalização dos terrenos ao abandono, desconhecendo-se, por um lado, o próprio conteúdo do direito de propriedade e, por outro, o mau exemplo de gestão desses recursos, pelo próprio Estado.

Fazer e ser político não é isto. E exercer o poder político certamente não é isto. Necessita-se, urgentemente, de poderes que saibam organizar, planear, prevenir e (chegados a isso) agir, sempre em prol da comunidade e do povo, sem quaisquer amarras partidárias e politicas, sempre desligados de teias de interesses pessoais.

Deixemos aqui algumas das nossas ideias sobre esta temática, sempre com a humildade democrática de pensar que podemos estar errados.

No campo da prevenção:
a) É necessário perceber que a população ligada à terra, à agricultura, à floresta, está cada vez mais envelhecida e, por falta de rendimentos, já não pode cuidar dos seus terrenos. Mas também é necessário perceber que a pequena dimensão dos prédios rústicos e a sua dispersão é um factor diminuidor da rendibilidade destes.
Percebida tais realidade deve promover-se uma gestão dos terrenos, que afaste a necessidade de intervenção pessoal dos proprietários e aumente a rendibilidade dos terrenos. Como?
A experiencia das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) muito por causa da necessidade de aglomerar grandes áreas e um número elevado de proprietários, não é possível de implementar na íntegra. Mas tem os seus méritos: elimina ou diminui os factores negativos acima referidos. Provavelmente se houver uma diminuição dos obstáculos burocráticos, promovendo a concentração de menores áreas contínuas e menor número de proprietários a envolver será mais fácil iniciar-se a gestão integrada da área florestal.
Mas pode igualmente falar-se da gestão dos espaços florestais ser atribuída a cooperativas (criadas ou a criar). Não de meros postos de comercialização de produtos agrícolas, como as que grassam em Portugal, mas estruturas que consigam convencer as pessoas do beneficio da gestão dos terrenos ser feito, de uma forma planeada, continua e estruturada, de modo a todos poderem beneficiar das sinergias e economias que se podem criar.
Ambas soluções naturalmente levarão á existência de melhores e mais limpas florestas, menos atreitas a fogos florestais e melhores produções, ligadas á agricultura e urgem ser implementadas.
b) É necessário reforçar e/ou reestruturar os meios de prevenção, vigilância e investigação , exercida pelos órgãos de policia criminal. Bem como repensar o modelo de punição dos actos dolosos e/ou negligentes que originam incêndios.
Uma das soluções seria eliminar as tradicionais divisões entre equipas de protecção da natureza (EPNA), GIPS e as investigações levadas a cabo pela Policia Judiciária (PJ).
Porque não criar equipas distritais e/ou regionais de vigilância e investigação multi-disciplinares, compostas por elementos dos EPNA, dos GIPS e da PJ, onde a componente prevenção e vigilância fosse feita pelos operacionais dos EPNA e GIPS e as investigações fossem deixadas aos elementos da PJ, mas com o apoio dos primeiros?
Porque não punir os actos dolosos originários de incêndios com penas de regime aberto? Por exemplo, obrigando os delinquentes a permanecer no período nocturno na prisão e obriga-los a trabalhar na limpeza de florestas, no período diurno.
Porque não considerar actos como a organização de churrascos, junto a zonas de florestais, ou a realização de queimas durante o pedido crítico sempre como uso negligente de fogo, independentemente de resultar dali, ou não, um incêndio florestal?

No campo da actuação:
a) É necessário perceber que o paradigma do voluntariado modificou-se.
As exigências da sociedade alteraram-se e já não se compadecem só com a existência de voluntariosos homens e mulheres, que sentem a vocação de ser bombeiros.
É, hoje, necessário que, mesmo as corporações de bombeiros voluntários, contem com profissionais especializados, para acorrer a todas as exigências de socorro à sociedade.
Tais corporações são, recorrentemente, ligadas a associações sem fins lucrativos, que dependem directamente de estruturas ligadas ao Estado e dos impostos pagos por todos nós.
É pois necessário criar mecanismos de subsidiação dos Bombeiros que acorram, atempadamente, ás necessidades das mesmas, sob pena de vermos o mais importante meio de combate a incêndio florestal inoperante.
b) É necessário, por outro lado, aliviar as competências dos bombeiros, em matéria de combate a incêndios.
A existência de equipas de sapadores florestais e dos próprios GIPS ganha importância na questão de vigilância e primeira intervenção.
Estes meios permitem que os bombeiros só sejam obrigados a actuar em ultima ratio, ou seja, sempre que a primeira intervenção não seja imediata (o que se deseja) ou seja insuficiente.
Mas é preciso que os elementos dos GIPS estejam no terreno e não aquartelados, como acontece hoje.
E é necessário que o Estado honre os seus compromissos com as entidades que gerem as equipas de sapadores (sejam autarquias, sejam associações de produtores florestais), porque estas não podem, sistematicamente, dever os salários aos seus trabalhadores.
c) É urgente que os municípios (principalmente os dotados de grandes manchas florestais) nomeiem o Comando Operacional Municipal (COM).
Um dos problemas mais recorrentes é a insuficiência e/ou falta de coordenação operacional no combate a incêndios florestais.
O COM não é um remédio milagroso, mas resolve as famosas “guerras de capelinhas” entre comandantes e permite a responsabilização directa de uma pessoa, dotada de autoridade e (esperemos) capacidade de comando.
Só não pode é ser visto como mais um “tacho” ou uma questão política.
É minha opinião que tal cargo deverá ser provido, principalmente, por elementos estranhos às corporações de bombeiros dos concelhos e aos jogos político - partidários, devendo o seu perfil ser de pessoa com boa capacidade de raciocínio e rápida decisão, disciplinado e disciplinador, organizado e organizador – o que inevitavelmente me remete para um oficial do exercito.

Finalmente quanto á planificação e questão de modelo de protecção civil, apenas se me oferece, para já, afirmar que a gestão de calamidades, acidentes graves e implementação do plano de protecção civil, necessitava de uma estruturação diferente, em termos municipais.
A nomeação do COM surge como primeiro passo para a criação de gabinetes e/ou equipas de protecção, dotados de meios próprios, técnicos especializados e capacidades próprias.
Tais gabinetes e/ou equipas inevitavelmente devem ser coordenados pelo executivo camarário (seja directamente pelo Presidente da Câmara, seja por um vereador com competências delegadas).
Mas o papel do político deve limitar-se à questão de facilitação da implementação das decisões tomadas pela equipa de protecção civil, devendo perceber-se que o campo técnico se deve reger pelo técnico e o político pelo político.

Foi longo o texto mas várias são as questões que ainda faltam equacionar.
Espero, humildemente, ter contribuído para a discussão das mesmas.