sexta-feira, 1 de outubro de 2010

República...

Escrevo a poucos dias do centenário da comemoração do centenário da proclamação da República Portuguesa.

Não tenho, nem quero ter, pretensão de ensinar algo aos abnegados leitores que ainda vão perdendo tempo com a leitura de opiniões. Principalmente da minha que, por ser emitida por um membro da geração pós-25 de Abril de 1975, será sempre elaborada com base no que os livros nos trazem e as interpretações que contêm.

Mas depois de ter lido há pouco tempo um artigo de opinião do Dr. Pacheco Pereira, dei comigo a pensar se ele não teria razão, quando diz “o que estamos a comemorar é a visão da República que a oposição Repúblicana e maçónica do Estado Novo tinha” (Revista Sábado - n.º 334, pág. 13).

Na verdade, antes do 5 de Outubro de 2010 o que existia em Portugal era uma grave crise, gerada pela subjugação do país aos interesses coloniais britânicos, pelos gastos da família real, pelo poder da igreja, pela instabilidade política e social criada pela morte do Rei D. Carlos e pelo sistema de alternância de dois partidos no poder, pela ditadura de João Franco e pela aparente incapacidade de acompanhar a evolução dos tempos e se adaptar à modernidade.

À proclamação da República estavam subjacentes ideias: de descentralização e federalismo; de colocação dos interesses nacionais acima de interesses particulares das diversas classes sociais; de acentuado anticlericalismo porque se identificou a religião com um empecilho ao progresso e como responsável pelo atraso científico de Portugal.

Ou seja, a República assumiu-se desde a primeira hora, como laica, democrática, nacionalista e respeitadora dos valores de igualdade e liberdade.
Daí resultaram institucionalizados, entre outros: o divórcio e a legalidade dos casamentos civis; a igualdade de direitos no casamento entre homem e mulher; a regularização jurídica dos filhos naturais; a protecção à infância e aos idosos; o ensino primário elementar obrigatório; a reformulação das leis da imprensa; a extinção dos títulos nobiliárquicos e o reconhecimento do direito à greve.

Mas depois da proclamação da República ficou foi igualmente instabilidade política e social, gerada pelos conflitos no seio dos Republicanos manteve-se. Só para dar um exemplo, entre 1910 e 1926 (época da Primeira República) existiram em Portugal sete Parlamentos, oito Presidentes e 45 governos. Ou seja, em média naquele tempo elegiam-se Parlamentos a cada 26 meses, Presidentes a cada 23 e nomeavam-se governos a cada 4.
O que levou depois a um período de ditadura militar e posteriormente à imposição ao país do regime do Estado Novo.

Aqui chegados, eu e os meus pacientes leitores, porque somente se pretende reflectir sobre a proclamação da república, devo dizer que a comemoração da proclamação República incide, ou melhor deve incidir, não no próprio acontecimento em si, mas na visão e princípios que lhe eram subjacentes.
Celebrar a República é confirmar o respeito por direitos como a liberdade e a igualdade. É acreditarmos num Estado laico, separado de qualquer confissão religiosa. É proclamar o respeito pela democracia e pelas decisões tomadas em nome da Nação e do Povo. É, acima de tudo, exigir dos nossos representantes políticos o respeito pelos interesses de todos, sem os fazer declinar perante o interesse de um só indivíduo ou uma só classe.
Hoje, num período de grave crise económica, à qual se alia um período de instabilidade política criado pela irresponsabilidade e falta de formação democrática dos líderes dos partidos que tem tido responsabilidades governativas e uma forte pressão externa, causada pela ganância de alguns e a incompetência e presunção de outros, mais do que nunca se deve apelar aos valores da República.

Vale a pena pensar nisto.
Carlos Bianchi
http://janelacentral.blogspot.com